top of page

SINGLE: Kelly Key - Turn Around


★★★★ (4/5)

“Turn Around” é uma faixa que divide opiniões. De um lado temos a voz da cantora um pouco aguda demais, o que a torna difícil de acostumar nas primeiras vezes que se ouve. Do outro colocamos na balança sua boa produção, que se destaca às demais do álbum, além da ótima sacada em misturar português e inglês no refrão, que por sí só já é difícil de esquecer. A ponte antes do último refrão, que se repete arrastado “Turn around, turn around / Don’t go, don’t go / Don’t leave me alone”, é quase um orgasmo, é deliciosamente boa de se ouvir. A sonoridade remente às canções dos angolanos Gilyto, Suzanna Lubrano, Anselmo Ralph e Kataleya, além dos trabalhos mais antigos da mexicana Thalía.


Mas o ponto que gera uma real discussão em "Turn Around" é sua letra, que coloca Kelly em outra visão que nunca tivemos antes: da mulher que trai. Nos versos “Não era pra você estar lá / Não houve nada entre eu e o cara / Que encontrou em meu carro / O que aconteceu entre ele e eu / Não fez sentido” temos uma anti-heroína das melhores. Mas isso desencadeou nos veículos de imprensa uma discussão mais séria: a de que a cantora havia se tornado antifeminista na faixa.


A questão é que Kelly sempre foi conhecida por suas composições de mulher independente que ao descobrir uma traição, busca por sua liberdade no maior grito feminista. Não deixa ninguém a enganar, curte a noite, beija quantos quiser (enquanto solteira), mas é fiel se for para falar de amor. Ela cantou sobre a garota que quer um cara mais velho ("Baba"), a que sai com um mais novo ("Adoleta"), a que enfrenta o racismo ao namorar um negro ("A Loirinha, o Playboy e o Negão"), a que questiona se os pais não transam ("Escondido") e até a que larga tudo por um amor ("Por Causa de Você"). Sempre liderando uma geração de mulheres na década de 2000 que não queriam mais se esconder, que não tinham porque não ter orgulho de serem simplesmente mulheres: livres, com as próprias escolhas e com a vida sexual ativa


Com base nesses dois opostos vem o real debate: a de que as mulheres não podem trair. Ainda que seja só na música, ainda que seja fictício, é isso que está implícito quando se taxa uma cantora de antifeminista por uma letra sobre o tema. Como se elas não fossem humanas, como se tivessem que sempre expressar uma imagem comportada, aceitando tudo e dizendo “amém”. É aceitável que o cara vá à um barzinho com amigos e “pegue” outras mulheres, mas se a mesma faz isso a conversa é uma só: “fulana é uma vagabunda”.


E quem garante que a personagem da música não teve motivos para isso? E que mal teria se ela simplesmente resolvesse trair? A música brasileira é repleta de canções sobre homens se deleitando com outras mulheres, mas quando uma mulher escreve sobre isso é bombardeada. Muito pelo contrário, esse parece muito mais um discurso machista e sem profundidade. Trair ou não é também uma escolha e não apenas masculina. E “Turn Aroud”, tão boa quanto sua produção, tem uma letra com excelência.


Talvez Kelly nem tenha pensado na discussão que a faixa viesse a trazer. Talvez só quisesse expressar uma visão diferente das anteriores, sem a carga de mulher superpoderosa, mas sim daquela que erra também – e por amor. Enquanto grandes jornais dizem erroneamente que ela foi antifeminista, os portais dominados por jovens tem outra visão, a de que “Turn Around” é mais um hino feminino de Kelly e que apesar de trair ser errado, é natural para ambos os sexos, porque a liberdade é maravilhosa e a mulher de hoje pode tudo – até mesmo trair.



Atualização:

Na quinta-feira 27 de agosto foi liberada uma versão remix com Mr. Catra no refrão.


Destaques

bottom of page